Liderança e a luta contra o pecado (parte I)
“Quando um homem se torna melhor, compreende cada vez mais claramente o mal que ainda existe em si. Quando um homem se torna pior, percebe cada vez menos a sua própria maldade” . C. S. Lewis
Devemos compreender que a busca pela integridade denuncia o pecado. Richard Baxter (1615-1691), teólogo, homem piedoso e autor de mais de 130 livros, afirma em seu livro O pastor aprovado que “é mais fácil julgar o pecado que dominá-lo” e desafia-nos: “somos exortados a olhar por nós mesmos para não suceder que convivamos com os mesmos pecados contra os quais pregamos” . Algo que deve nos fazer refletir com temor perante o Senhor a cada palavra proferida no púlpito de nossas igrejas. Em Gn 17:1 lemos que Deus disse a Abraão: “Eu sou o Deus todo poderoso; anda na minha presença e sê perfeito”. Andar na presença de Deus leva-nos ao caminho da perfeição ao mesmo tempo que andar em Sua presença aponta de forma clara as nossas imperfeições.
Não há outra forma de sermos santos e íntegros se o pecado em nossas vidas não for denunciado. O pecado é, sociologicamente, compreendido de forma simbólica na organização social humana. Ao falarmos de pecado vêm à nossa mente o que rotulamos como pior, ou inaceitável, como o adultério, o roubo e o assassinato. Outras sociedades tambémm possuem suas compreensões simbólicas do pecado. Entre os Konkombas de Gana o maior pecado é mentir. Entre os indígenas da Amazônia talvez seja ser pão duro, ou sovina, como se referem. De toda forma precisamos observar que o pecado, mesmo não embutido de um simbolismo socialmente degradante igualmente nos afasta de Deus. Facilmente censuramos a embriaguês, mas temos dificuldade em confrontar a gula. Apontamos com clareza a falta de domínio próprio nos relacionamentos, mas convivemos pacificamente com a inveja. Nos iramos contra o roubo mas somos tolerantes com o engano.
Quando Paulo nos advertiu dizendo que a carne luta contra o Espírito e este contra a carne , expõe que não derrotaremos a carne lutando contra a carne. Derrotaremos a carne nos enchendo do Espírito. Isto não dilui a necessidade de estarmos alertas e 1º Coríntios 10 descreve no mesmo versículo que é nossa tarefa resistir e suportar . Significa que os processos de transformação que contrariam a carne em nossa vida se darão pela presença e atuação do Espírito Santo em nós. Assim, o maior passo a ser dado para termos vida íntegra e santa é sermos cheios dEle.
Homens maduros e com longo tempo de liderança do povo de Deus sistematicamente nos alertam para o cuidado com a vida devocional. Richard Cecil expressa que o principal defeito dos ministros cristãos está centrado na deficiência quanto ao hábito devocional. Edward Bounds, citando Robert Murray McCheyne em seu belo texto Comece o dia em Oração , alerta: “Eu sinto que é muito melhor começar com Deus - ver a Sua face primeiro, elevar a minha alma para junto d’Ele - antes de me aproximar dos outros”.
João Calvino, reformador e teólogo, nos ensina: "Não somos nossos: portanto, nem nossa razão, nem nossa vontade devem presidir nossos planos ou nossos atos. Não somos nossos: portanto, não tenhamos como objetivo procurar o que convém à carne. Não somos nossos: portanto, esqueçamos, na medida do possível, a nós mesmos e tudo o que é nosso. Pelo contrário, somos do Senhor, logo vivamos e morramos para Ele. Somos de Deus: portanto deixemos a sua sabedoria e vontade presidir todas as nossas ações ".
Para os líderes cristãos uma das maiores barreiras para uma vida devocional é o próprio ministério. Por possuirmos um envolvimento integral com o ministério é muito fácil não termos tido tempo para a oração, leitura e reflexão na Palavra porque estávamos ocupados trabalhando para Ele. Tento manter minha mente dirigida peloo comentário de Jesus sobre Marta e Maria . O trabalho que Marta realizava era legítimo, valioso e honroso. Era para o Mestre. Ela deseja ter a casa arrumada, a comida pronta. Ela desejava servi-Lo. Maria, porém, estava aos seus pés e esta escolheu a melhor parte. Mantenho esta imagem mental para ajudar-me no dia a dia. O serviço que posso prestar para o Senhor não deve substituir minha vida com Ele, meu tempo com Ele. A melhor parte a que Ele se refere não está ligada tão somente ao desejo do Mestre, mas sim à necessidade de Maria. Ela precisava estar com Jesus.
A melhor parte não é apenas um ritual que agrada a Deus, mas também um elemento que sacia a nossa alma. Sem estarmos com Ele o serviço, eventualmente, também perecerá. Teremos perdido a visão do Alto, o rumo certo, as motivações bíblicas que antes estavam em nossos corações, a brandura no relacionamento com o outro, a paixão por Ele e pelos perdidos. Teremos, enfim, apenas uma casa bem arrumada, com uma mesa posta, bonita, e comida quente. Mas Ele não estará lá.
Marta estava ocupada com afazeres legítimos e Jesus a adverte que ela se preocupava demais com muitas coisas, mas poucas eram realmente necessárias. Uma delas é estar com Ele.
Não desejo expor aqui sobre a vida devocional de forma prolongada pois escrevo, sobretudo, para líderes que são crentes maduros que praticam e ensinam este assunto. Desejo lhe convidar a manter uma figura mental que lhe ajude a fazer as escolhas certas, de tempo e atenção, ao longo dos dias. Escolha estar com Ele.
A Bíblia nos leva a ter a verdadeira visão do pecado e entender o que é a verdadeira religião. Tiago nos diz que:
“Cada um, porém, é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência; então a concupiscência, havendo concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte... Se alguém cuida ser religioso e não refreia a sua língua, mas engana o seu coração, a sua religião é vã... religião pura e imaculada diante de nosso Deus e Pai é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e guardar-se isento da corrupção do mundo ”.
É surpreendente a explicação de Tiago a respeito do pecado que nasce na concupiscência e gera a morte. Ao comparar o verdadeiro cristianismo com a falsa religiosidade a partir daquilo que é santo ou pecaminoso ele simplifica a mensagem tornando-a aplicável à vida diária. Exemplica dizendo que é falsa religiosidade não refreiar a sua língua ao passo que é verdadeiro cristianismo visitar os órfãos e as viúvas.
O claro ensino é que precisamos lidar com o pecado de forma prática e objetiva. C. S. Lewis nos fala sobre o engano que sempre rodeia o pecado quando afirma que “um homem mediocrimente mau sabe que não é muito bom; um homem inteiramente mau pensa que é justo ”. Revela a mundana tendência de lidarmos com o pecado através de ilusões e fantasias, e não da verdade.
Há mensagens claras na Palavra do Senhor quanto ao pecado. Uma delas é que o pecado é combatido pelo poder de Deus. Que a carnalidade, tendência natural humana ao pecado, é controlada pelo Espírito. Que, por termos escolhas naturalmente má, sermos cheios do Espírito é a forma bíblica e certa de deixarmos morrer a carne. Que a vida devocional, buscar ao Senhor e escolher a melhor parte é a principal iniciativa para aqueles que desejam estar com Ele.
Creio que boa parte dos problemas ligados à liderança ou aos relacionamentos é resultado de questões espirituais. Observando de longe percebemos tão somente o conflito entre pessoas, a dificuldade em perdoar, a complexidade das demandas, a intolerância e os erros recorrente. A raiz destes processos, porém, é espiritual. Não são consertados por livros de auto-ajuda ou pelo estudo das 20 regras para ser um bom líder. São coisas do coração. Boa parte dos conflitos que drenam nosso tempo e energia não aconteceria se tivéssemos uma vida devocional melhor.
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